sábado, 6 de julho de 2013

Realismo Fantástico precisa seguir lógica em sua mitologia

O Brasil sempre apostou em Realismo Fantástico para fazer sucesso em suas obras de teledramaturgia. O público brasileiro comprou a ideia e transformou em fenômenos de audiências novelas que apresentavam personagens desse estilo. De obras trashes, como Vamp, até mais sutis, como Sexo dos Anjos, o fato é que a história da teledramaturgia nacional é repleta de exemplos bem sucedidos de formatos assim e que arrebataram o grande público.

É bem verdade que nos últimos anos este formato foi deixado de lado na telenovelas nacionais. Sob o argumento que o telespectador procura tramas mais realistas, pois quer se ver espelhado no que assiste, a estilística foi mudando e o lugar-comum ganhou um espaço maior.  A última lembrança de realismo fantástico na TV brasileira talvez seja na bem-sucedida, porém abortada, série A Cura de João Emanuel Carneiro e a novela O Astro, remake adaptado por Alcides Nogueira, que culiminou com um Emmy Internacional.

Um ponto fundamental para se produzir uma história com realismo fantástico é sua mitologia. Ao contrário do que se pode pensar, criar personagens com poderes ou com características além das do ser humano, não significa necessariamente que este personagem pode fazer tudo. É preciso construir uma história lógica, ou seja, a mitologia, para que quem assiste saiba exatamente o que o personagem pode ou não pode fazer. O maior exemplo contemporâneo disso seja, talvez, a série americana Supernatural que sabe explorar muito bem os elementos sobrenaturais, mas construiu uma mitologia sólida e que o público volta e meia é convidado a lembrar-se, com sequências desde a primeira temporada. Os personagens não fazem atualmente o que, no início, não podiam fazer, é a figura mitológica que dá verossimilhança para quem vê.

Quando o produto não consegue transmitir essa verossimilhança e sua mitologia é um samba-do-crioulo-doido, tudo se desfaz. O que foi criado para atrair acaba irritando, porque o fantástico deixa de o ser e se torna frustrante e com dezenas de erros apontados. Outra série americana serve de exemplo para esta máxima, trata-se de Heroes, um produto que começou com força e cheia de elementos que chamaram a atenção e se perdeu porque não soube construir uma mitologia lógica e, mesmo quando construiu, a destruiu para tentar contar a história.

Se a justificativa do autor é a de que "é realismo fantástico" para que seu personagem possa fazer tudo, já podemos saber que se trata de uma saída preguiçosa. Esse formato só funciona se for muito bem trabalhado para que o telespectador possa comprar os absurdos - para o plano da realidade - como algo verdadeiro dentro daquele contexto, daí a importância de regras básicas muito bem delineadas.

Em Saramandaia este problema acontece. Numa sequência interessante exibida na última sexta-feira, vimos o personagem de João Gibão (Sérgio Guizé) - que prevê o futuro - tendo uma visão de que Vitória Vilar (Lília Cabral) levaria um tiro. A partir daí ele e Zélia Vilar (Leandra Leal) saem numa busca desenfreada por Vitória a fim de evitar que a visão se consuma. Perfeita a sequência que serviu para construir planos de ação para o capítulo e chamar a atenção do público.

Porém, o dom de Gibão não obedece a nenhuma regra. A mitologia é furada e funciona a bel prazer do autor, mostrando-se equivocada. No primeiro capítulo vimos que o personagem teve uma visão da cidade de Bole-Bole mudando seu nome para Saramandaia e até agora isso não aconteceu. Num capítulo desta semana, novamente ele teve uma visão, desta vez com Dona Rdonda (Vera Holtz) explodindo - a visão já havia acontecido em outra ocasião. Esta visão especificamente também poderia ser atribuída a bomba que explodiu no final do capítulo desta sexta-feira. Não importa. O fato é que, em determinado momento, a visão de Gibão indica algo que vai acontecer em instantes e em determinados momentos algo que vai acontecer sabe-se lá quando. Como o personagem sabe distinguir o que vai acontecer no momento e o que não vai?

Construir uma história de realismo fantástico sem se apoiar numa mitologia quase conservadora para evitar furos é o melhor caminho. De nada adianta impressionar o público com personagens fascinantes e mágicos se a história segue exclusivamente uma única regra: a da saída fácil e preguiçosa.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Telespectador Brasileiro é atrasado

Produção de TV vai muito além que enxergar pequenos pontos manchados e torná-los análises fundamentais para se entender o comportamento do público. Televisão não pode - e nem deve - ser entretenimento passivo. Não se pode esperar que um meio de comunicação de massas se renda exclusivamente ao gosto do público. Em primeira análise, essa afirmação pode soar absurda, mas está longe de ser equivocada. 

O Brasil é um país atrasado em diversos segmentos - talvez por isso estamos diante de um momento histórico de protestos - mas, levando toda essa onda para a teledramaturgia, pode-se afirmar sem medo de exagero que o telespectador brasileiro é atrasado. A máxima é simples e verdadeira, ora, se o país é atrasado em praticamente tudo, evidente que seu povo é atrasado também, inclusive quando falamos de busca correta por entretenimento. A analogia perfeita neste caso se dá com uma criança que quer tudo, mas cabe aos responsáveis saber o que pode e o que não pode e ensinar esta criança. É isso que a produção de TV deveria fazer com o público: ensinar.

As grandes referências de sucesso atual na TV mundial são tipos complexos e que fogem do arquétipo do bom moço ou do pior vilão. Em Breaking Bad - série americana sucesso de crítica - o protagonista fabrica drogas. Homeland, outro sucesso da TV americana, a mocinha sofre de bipolaridade e se envolve com quem, supostamente, teria de investigar. Países desenvolvidos compreenderam, também na teledramaturgia, que ninguém é puramente bom ou mau e conseguem humanizar personagens complexos a ponto de construírem tipos inesquecíveis.

No Brasil essa tarefa parece muito mais árdua. O público brasileiro parece somente conseguir torcer para dois tipos de personagens. A mocinha que é a personificação da bondade e pureza ou para os vilões tórridos, mas com veia cômica. Muitas novelas já sofreram hecatombes de críticas ao se verificar uma tentativa de mudar este cenário. América teve sua protagonista rejeitada porque ela escolheu seu sonho de morar nos EUA a viver a história de amor proposta. Mesmo em sucessos, como Avenida Brasil, o público se incomoda. Houve - muita gente - quem criticasse o fato de Nina optar pela vingança e deixar em segundo plano seu amor por Jorginho.

A prova do atraso do público brasileiro se dá em Sangue Bom. A construção semiótica da protagonista Amora vem se mostrando complexa e rica em detalhes. Uma pessoa cheia de conflitos e que caminha o tempo todo na tênue linha entre a vilania e a bondade. A personagem é uma construção quase semântica do ser humano. Amora não é boa ou má, ela é influenciada pelo meio em que vive, como qualquer um de nós. As linhas fortes do texto competente de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari apresentaram uma personagem tão rica que permite a Sophie Charllote sua melhor interpretação na TV. A atriz soube construir a personagem com a fúria necessária para quem vive em meio a lobos, mas também que sabe viver intensamente aquilo que acredita. Ponto para a atriz.

Ainda assim, o público não consegue torcer pela mocinha. Segundo resultado da pesquisa que a emissora faz junto ao público - divulgada pela jornalista Patrícia Kogut - o telespectador torce por Bento, mas não consegue torcer por Amora, embora queira. Isso significa que o público não compreendeu a proposta da personagem e, consequentemente, não compreendeu a proposta da trama.

Entendo que seja muito mais fácil conquistar o telespectador criando caricaturas de representação do bem, como é o caso da mocinha de Amor à Vida, Paloma (Paolla Oliveira). Mas produtos que fogem do óbvio e buscam sutileza e profundidade produzem um resultado muito melhor, no que concerne à reflexão.

É preciso encontrar meios para que o público compreenda que a ambiguidade de Amora não é um comportamento tortuoso ou uma falha, mas é uma construção de personalidade e é justamente isso que dá todo o charme, mas não se pode abrir mão da proposta apenas para agradar. Sangue Bom é a melhor novela no ar - e uma das melhores do horário - e é preciso cuidado para não abrir mão de toda sua estrutura muito bem construída simplesmente para tentar melhorar índices de audiência.

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