sexta-feira, 14 de junho de 2013

A censura, as classes representativas e a dramaturgia no Brasil

O Brasil é um país que lutou muito para que seu povo conquistasse uma série de direitos que, hoje em dia parecem simples. Atualmente é possível encontrar classes representativas de praticamente todos os grupos - de profissionais ou não - tudo isso graças a uma série de conquistas que a sociedade como um todo fez ao longo de nossa história. O problema é quando determinadas classes extrapolam o direito de defender seus associados e acabam tentando praticar a censura, normalmente contra a dramaturgia.

A TV brasileira se tornou quadrada justamente por este tipo de interferência externa que prejudica a criatividade dos autores e atrapalha a liberdade de criação dos produtores. E isso vem acontecendo neste milênio, pois não era algo visto nos anos 90. Significa que, em meio a um mundo tão globalizado e tecnológico, o Brasil regride quando é esse o assunto tratado.

Durante a exibição de Passione houve um protesto formal dos pilotos da Stock Car - principal categoria automobilística do Brasil, que é patrocinada pela Rede Globo, a mesma que produziu a novela - porque um dos personagens do folhetim de Sílvio de Abreu, o piloto Gérson (Marcelo Anthony) tinha um grande e tenebroso segredo. Os pilotos não queriam "manchar" a marca e pediram a emissora que intervisse na linha criativa do produto.

A novela Mulheres Apaixonadas também sofreu reclamações por conta da personagem  Santana (Vera Holtz), uma professora que enfrentava problemas com o álcool e, por vezes, chegou a ir trabalhar bêbada. Os professores fizeram forte pressão porque enxergaram que estavam sendo difamados pela obra de Manoel Carlos.

Quem vem sofrendo do mesmo problema é a atual novela das 21 Horas, Amor à Vida, que já contabiliza duas reclamações formais de classes representativas. A ex-chacretes fizeram bastante barulho nos últimos dias porque se sentiram ofendida. Na novela de Walcyr Carrasco, a personagem Márcia (Elizabeth Savala) é ex-chacrete e disse por mais de uma vez que, após o fim de sua participação no programa do Chacrinha, fez de um tudo para sobreviver, inclusive se prostituiu. A revolta foi geral.

O mais recente caso se dá nas queixas formais que enfermeiros estão fazendo junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio Janeiro porque se sentiram ultrajados com a personagem Perséfone (Fabiana Karla), uma enfermeira que paquera praticamente todo funcionário homem do hospital ficcional do folhetim. Segundo as reclamações, esse tipo de cena prejudica a categoria.

As classes têm todo o direito de se manifestar sobre quaisquer espécies de assuntos que possam prejudicá-las, mas é preciso coerência. Teledramaturgia é produto de ficção e não tem como objetivo representar de forma verdadeira e fotográfica nada, muito menos classes trabalhistas (ou ex-trabalhistas, no caso das chacretes). Em ficção, tudo que se precisa é convencer o telespectador de que o que acontece no universo da obra é verdade e não mostrar ao público o que acontece na vida real. Quem mostra vida real é jornalismo, não dramaturgia.

Imagine se os ex-presidentes dos EUA decidem reclamar junto a emissora americana ABC porque se sentiram ofendido quando um personagem, presidente da república, assassinou num hospital uma juiza da Corte americana? (fato acontecido na série Scandal) É preciso saber separar ficção de realidade, pois quando se começa este tipo de reclamação, saímos da zona dos direitos adquiridos e invadimos a zona da censura e da castração da liberdade criativa na produção da arte.

Quanto mais esse tipo de queixa obtiver eco, seja na mídia, seja na justiça ou mesmo na emissora que intervém na obra, mais a arte de se produzir teledramaturgia fica prejudicada, quadrada e fadada a ser sem graça e perde em ousadia. É preciso saber diferenciar ofensas de criação artística para determinados objetivos. Sem isso, não há como se fazer arte.

2 Quebraram tudo:

jully disse...

concordo vc esta plenamente certo relou galera vivemos no seculo xxi liberdade de expressão por favor

Chrystian Wilson Pereira disse...

Ótima análise, Daniel! Realmente é um fenômeno deste século XXI no Brasil que vai na contramão de tudo que foi conquistado durante as últimas décadas. Temos que levar em conta que o comportamento dos personagens,que são individualizados, não representa toda uma classe. Isso é ridículo. Dias Gomes, com toda a censura na ditadura, fez trabalhos sensacionais e que hoje iriam soar ousados ainda. Aliás, espero ansiosamente por Saramandaia, remake da novela originalmente escrita por ele. Acredito que por ser exibida no horário das 23h, haverá uma maior liberdade narrativa. Não creio que Saramandaia no horário das 21h daria certo, justamente devido à "censura" que você tão bem explicitou.

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