quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Os Perigos da Licença Poética

Muito mais do que crítico, sou um apaixonado pelas telenovelas. Quem acompanha este espaço sabe que sou um dos fãs do formato e tenta acompanhar o maior número possível dessas produções - ainda que muitas de qualidade duvidosa - é o que eu chamo de prazer em reconhecer os meandros e detalhamento que somente as novelas permitem.

Um dos elementos técnicos de um folhetim é a licença-poética. Muito utilizada pelos autores, ela é delicada e sempre insurge em discussões polêmicas entre os próprios dramaturgos, a crítica e, por vezes, os telespectadores mais atentos e críticos. Licença-poética é a o fato de Nina (Avenida Brasil) sacar um milhão de reais do Banco e sair com uma sacola de dinheiro; licença-poética é todo personagem que cai de escada morrer (Fina Estampa); licença-poética é personagens de outros países falarem em português, como é o caso das últimas novelas de Glória Perez e aqui inclui-se Salve Jorge. Uma observação é importante: não confundir licença-poética de uma obra que se propõe em ser realista com uma trama que trata de realismo fantástico. Açucena ressuscitar com um beijo de seu amor Jesuíno, em Cordel Encantado, não é licença-poética, é realismo fantástico.

Diante disso, é preciso saber utilizar a licença-poética de forma que ela não perca a coerência ao longo de todo um folhetim. Quando o autor lança mão desta técnica, ele precisa ampliar seu campo de visão e compreender que, para fazer sentido, o elemento precisa ser utilizado de forma que o telespectador compreenda que se trata de uma saída dramatúrgica sem que se comprometa toda a estrutura narrativa de sua produção.

No capítulo natalino (!) de Salve Jorge ocorreu um desses deslizes imperdoáveis por conta da tal licença-poética. Desde que a novela estreou a autora Glória Perez usou o artifício de que todas as personagens turcas falem a Língua Portuguesa. O recurso é obviamente aceitável, pois num veículo de comunicação de massas, no horário de maior visibilidade da TV brasileiro, não se pode exigir que o telespectador raso acompanhe toda uma história com legendas. Porém, para que a licença-poética faça algum sentido, ela precisa fazer parte da estrutura narrativa e não apenas quando convém.

E no capítulo da última terça-feira (25) houve um ruído grave nesta licença-poética que é emprestada pela autora em praticamente todos os seus trabalhos. Em todos os lugares da Turquia de Salve Jorge as personagens fala português, inclusive numa das vilas mais tradicionais, como se viu durante a visita de Bianca (Cléo Pires) que se relacionou normalmente com todos ali sem problema algum de comunicação, é a licença-poética funcionando como deve. Porém, o mesmo não ocorreu na sequência em que se viu Jéssica (Carolina Dieckmann) na delegacia. A personagem fugindo da quadrilha de Lívia (Cláudia Raia) foi parar numa delegacia e, para espanto geral, nenhum policial entendia o que ela falava e ela não entendia nenhum dos presentes, apenas um, servindo de escape para a cena fazer sentido, é que falava nossa língua.

Este é o típico deslize que não pode acontecer. Ou a licença-poética utilizada é abordada de forma coerente ou nada mais faz sentido e o telespectador fica sem compreender. Está certo que toda a sequência foi uma saída para que a personagem fosse presa e, em seguida, voltasse para as mãos da quadrilha, mas esta foi uma saída rasa e simplista que acabou por comprometer todo o trabalho técnico que vinha sendo utilizado de forma coerente. Aparentemente, na Turquia de Glória Perez, apenas os policiais falam turco e não entendem português. Uma pena porque comprometeu um capítulo quase impecável.

2 Quebraram tudo:

Fabio Dias disse...

Mais um texto genial!
Mas suas críticas são perfeitas!

Unknown disse...

Pior é o Russo falando português com os policiais que até então não entendiam!

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