São 20 dias de barriga. Desde o Reveillon, Cama de Gato entrou na famosa barriga - período em que a novela segue morna sem grandes acontecimentos - e o folhetim aparentemente tinha se perdido completamente no roteiro e em tudo mais. De novela inovadora, corajosa, ágil, com ritmo alucinante, o que se via neste começo de 2010 era numa novela modorrenta, com história estranha - o roteiro tão diferente estava focando-se na vilã que queria separar o amor da mocinha e do mocinho, um erro - e isso afastou o público.
Dos tradicionais 25 pontos que vinha registrando, segundo dados do Ibope - mantendo-se dentro da média para explodir nos meses finais - a novela perdeu nestes 20 dias muito público e a audiência agora gira dos 22 aos 24 pontos, muito baixo para uma trama que vinha obtendo ótimos resultado no princípio - a melhor média de Cama de Gato é 29 pontos. Ela chegou a essa marca muito antes de Paraíso, por exemplo.
Nesta semana o ritmo da novela começou a aumentar gradualmente. Era nítida uma mudança de postura das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes que, aos poucos, colocaram novamente a novela no eixo. E o grande diferencial foi o capítulo deste sábado. O início do julgamento do Alcino (Carmo Della Vecchia) é talvez o momento mais importante de Cama de Gato até aqui, não necessariamente para o desenrolar da trama, mas para recolocar a história no eixo.
O diferencial da trama sempre foi justamente não apostar no batido tema mocinha e mocinho x vilão ou vilã. O julgamento de Alcino é fundamental para recolocar Cama de Gato no caminho da inovação sem se afastar do tradicional. A história de dois amigos separados por uma vilã maquiavélica que armou um plano perfeito é muito mais importante que tudo. É preciso entender que a novela das 6, na verdade, tem dois mocinhos: Gustavo e Alcino. Ambos são apaixonados por Rose, ambos foram injustiçados, acusados de algo que não fizeram, ambos viveram um inferno astral dentro da trama. E ambos foram enganados pela vilã Verônica. E tem a Rose, o apoio da Rose ao Gustavo fez a novela crescer e agora [SPOILER] o apoio dela a Alcino movimentará a novela.
Dizer que em 20 dias de barriga e com enfoque diferente do que nos acostumamos é suficiente para considerar que Cama de Gato se perdeu é exagero. Praticamente todas as tramas enfrentam barriga para suportar tantos meses de exibição, principalmente quando a obra é esticada como parece ser o caso da novela das 6. É preciso ter cuidado ao analisar uma obra inovadora quando ela é apresentada e não se apegar a um pequeno período de barriga - sim pequeno, pois na semana de Natal e Ano-Novo a novela passou por um ritmo tão alucinado que era quase impossível conseguir acompanhar.
Sobre o elenco, todos estão muito afinados, inclusive os mais novos que eram quem davam o tom de contraste no começo da obra. O elenco jovem melhorou bastante ao longo da história, também as histórias paralelas se desenvolveram e todos tiveram melhores chances de mostrar o potencial.
Ainda assim, os grandes destaques do elenco continuam pertencendo ao núcleo principal. Marcos Palmeira continua muito bem ao encarnar Gustavo Brandão. Não é fácil interpretar um personagem tão complexo com tamanhos nuances de personalidades que, as vezes, são até contraditórios, mas Palmeira vem dando conta do recado.
Camila Pitanga também se destaca como a mocinha Rose. Ela se despiu de qualquer outro personagem que tenha interpretado anteriormente e conseguiu criar vida própria a sua mocinha. Cheia de personalidade, inteligente, com olhar firme e postura de vencedora. Ainda assim sem cair no falso ou caricata.
Carmo Della Vecchia que era o destaque negativo no núcleo principal, finalmente deixou para trás as características de Zé Bob (seu último personagem, na novela A Favorita) e criou um estilo próprio de ser para Alcino. Cheio de dramas, inocente pagando por algo que não fez, doente, enganado, ainda assim com uma característica marcante, o bom humor.
Mas o grande destaque entre o elenco é Paola Oliveira. A primeira vilã da atriz veio com muita desconfiança após trabalhos bem sucedidos como mocinha. Verônica é má por si só, mas tem uma história que criou essa personalidade amargurada, vingativa, astuta e sobretudo maquiavélica. Dizer que Verônica é uma Flora em miniatura é não sair do senso-comum. Tudo isso graças a Paola que criou pequenos trejeitos em Verônica como a entonação e principalmente o olhar debochado que são únicos e merecem destaque.
Eu tenho certeza que a novela sofrerá a reviravolta necessária a partir de segunda-feira e ganhará o fôlego fundamental para atrair a audiência novamente e chegar aos patamares que a própria Rede Globo esperava dela - próximo aos 30 pontos. Pois tem todos os elementos para conseguir. Um bom texto, um bom elenco, e principalmente, uma história inovadora e muito inteligente.
Eu continuo afirmando que Cama de Gato é o maior destaque no horário das 6 da década. Um texto inteligente e inovador demais até para o horário e que, se voltar ao eixo, certamente vai dar muitas alegrias a todos os envolvidos neste trabalho. Afinal, não é a toa que no princípio da trama, nos corredores da Globo se falava que ela deveria trocar de horário com a mal vista Viver a Vida.
É preciso para isso que a dupla de autoras não se deixe entregar a história simples de amor entre Rose e Gustavo e se enfoque na história com ritmo frenético, que o público se acostumou desde o início. Com isso, certamente Cama de Gato voltará a ser um sucesso.